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terça-feira, 21 de julho de 2020

"A Luz de Pequim" de Francisco José Viegas

Excerto
"Se tivesses de juntar todas as histórias que acontecem, nunca terias um livro, por exemplo, e nunca terminarias de fazer ligações, de descobrir coincidências que são apenas coincidências. Temos de caminhar sempre em frente até chegar a um lugar onde não há mais caminhos."

Acabei de ler o romance mais recente do escritor português Francisco José Viegas: "A Luz de Pequim", com o seu habitual personagem: o inspetor Jaime Ramos. Só que desengane-se quem, como eu, pensou tratar-se de um livro policial. Sim, na obra há assassinatos, há inquéritos e até há conclusões sobre quem os cometeu, mas este é uma narrativa melancólica sobre a vida do protagonista já em fim de carreira e considerado ultrapassado pelas ondas de modernização e voracidade da administração para com os mais antigos e curricula marcante.
Assim surgem demonstração do seu passado imperfeito, reflexões privadas da sua militância política em conversas com aqueles que mais o marcaram e de quem o investiga. Depois, a propósito ou a despropósito, vêm inúmeras referências ou descrições do Porto, do seu rio, dos seus cafés, restaurantes e gastronomia, das suas livrarias, dos seus bairros, da sua atmosfera chuvosa, do estilo de vida dos seus marginais em conflito mortífero entre gangues dispersos pelas periferias. O autor junta ainda retratos paisagístico e do bucolismo do Alto Douro e dos vícios das elites nacionais e seu modo de moldar a política de Portugal e até este País visto por um espião brasileiro como forma de tecer a sua teia para cativar um lusitano na sua rede, denunciando assim habilidosamente como somos.
No início, um assassinato e o aparecimento de um corpo de um traficante pendurado na ponte D. Luís I no Porto, depois investigações, interrogatórios a algumas famílias de renome ou de riqueza duvidosa e um pedido particular de um amigo para lhe encontrar o filho que sabe ter ido para o Brasil, ter-se licenciado e aparecer depois em convites oficiais no extremo oriente. Neste País pequeno estará tudo ligado ou serão apenas coincidências? É que após muitos anos de vida ele já vê e sabe muito mais do que são os pequenos bandidos do Porto, os Portugueses e Portugal.
Eu fiquei amarrado às múltiplas descrições que vão surgindo surpreendentemente no livro, quer se cruzem entre si ou apenas surjam na narrativa como algo paralelo que brota no dia-a-dia além do programado, nem sempre juntando informação à trama mas dando muito à narrativa. É sem dúvida um romance marcado pelo tom melancólico que cerca a perspetiva de ocaso da carreira deste inspetor que sempre viveu a espreitar o crime e conhece bem de mais a vida dos criminosos e a ingratidão do tempo e, sobretudo, ama o seu Porto e o modo de viver nele.

5 comentários:

Joaquim Ramos disse...

Bom dia Carlos, ainda não li nenhum livro de FJV. Este parece-me interessante para me estrear ou talvez algum policial, não sei...
Que livros gostou mais deste prolífero autor? Também ouvi falar bem do Longe de Manaus.

Carlos Faria disse...

Eu só li 4 dos livros dele, o mais imaturo "Crime em Ponta Delgada" foi talvez o mais respeitador do género policial, gostei muito por que se passa sobretudo em S. Miguel e no Faial, aliás a vítima é faialenses e o retratos desta ilha são muito simpáticos.
Bem mais maduro e fora do Porto está o Crime na Exposição (expo98), tem nostalgia e tem Açores e já dá muito a conhecer deste investigador melancólico, penso que é uma obra fácil e o essencial está lá. "Crime Capital" (capital europeia da cultura) é Porto pelos olhos de FJV com um humor maior que o nos outros livros, curiosamente "A Luz de Pequim" é o mais melancólico dos 4 e cheira a fim de carreira do anti-herói por isso para começar não será o melhor, este tem referências de vários livros anteriores nomeadamente o do Porto e o de Lisboa como exemplos de falhas do passado de Jaime Ramos.

Carlos Faria disse...

Há outro romance que ganhou o prémio APE mas não sei qual foi, mas sei que está entre os que não li

Maria disse...

Olá Carlos,

Foi o 'Longe de Manaus' em 2005.
Fiquei com vontade de ler esse passado nos Açores; também gosto de ler livros cuja acção decorre em sitios onde já estive.
O Carlos conhece a 'Mulher de Porto Pin' do António Tabucchi?
Eu gostei muito.
Bom fim-de-semana.
🌻

Carlos Faria disse...

Obrigado pela informação.
Sim, conheço. Já li duas vezes e durante uns anos até fui encarregado da gestão ambiental da praia da Baía de Porto Pim. Já apresentei uma proposta de Tabucchi ser homenageado nesta baía, foi aprovada mas não concretizada.