Acabei de ler, na língua original, o romance "The Testaments", da escritora canadiana Margaret Atwood, obra premiada com o Booker Prize de 2019 e, presentemente, já se encontra disponível em português com o nome "Os Testamentos".
O romance corresponde a uma sequela de outro do género distopia e escrito em 1985: "História de uma Serva", lido há muitos anos, contudo não há nenhuma impedimento de se ler a obra mais recente a quem não leu o anterior, pois as tramas são distantes no tempo, embora o ambiente político seja o mesmo e haja uma personagem importante agora que foi secundária no anterior e uma referência final para a anterior protagonista.
A obra cruza três narrativas que se intercalam no género de memórias, na primeira pessoa, das 3 protagonistas:
- Agnes desde criança até à juventude, viveu na ditadura religiosa, de moral fundamentalista e machista, de Gilead, esta resultou de uma revolução que fragmentou os Estados Unidos (ocorrida no romance anterior) aonde às mulheres compete procriar (parideiras profissionais) ou ser esposas ou ter tarefas domésticas e a quem está interdita a alfabetização;
- Daisy, de criança a adolescente que cresceu em liberdade em Toronto, Canada, num meio que luta pelo fim do regime em Gilead e;
- Lydia, já de idade avançada que descreve como se tornou numa das mulheres e fundadoras do regime de Gilead e um pilar do sistema ao assumir uma estrutura de mentalização da subserviência feminina e de atribuição dos papeis destas, apesar do seu passado americano de defensora dos direitos da mulher, os membros da sua instituição são as únicas que tem acesso a formação literária e possibilidade de lerem obras que lhes vão sendo autorizadas em função do seu grau de subserviência e fidelidade ao regime.
A partir dos relatos de cada uma percebemos a forma como Gilead subordina as mulheres, cujos mecanismos instalação foram descritos no livro anterior, quais os diferentes tipos papeis atribuídos a estas na estrutura social machista, a ignorância que existe na comunidade devido ao controlo da informação e da propaganda ao serviço do regime, que é minado pela corrupção e imoralidade da elite que governa e impõe uma justiça moralista, repressiva e sangrenta.
Em contraste no Canada livre, a governação não se intromete na política do Estado vizinho para evitar uma guerra, mas deixa espaço para uma organização contestatária e de resistência a Gilead que suporta ainda a fuga de mulheres escravizadas em torno da qual vive Daisy, mas onde em paralelo a estrutura de Lydia opera com missionários para atrair mulheres que faltam em Gilead.
Com o evoluir da trama, cujo ritmo se vai acelerando, as três personagens cruzar-se-ão e a estória tornar-se-á num thriller onde a todas as protagonistas terão um papel de luta contra o obscurantismo, uma homenagem à força do papel feminino dentro da humanidade.
Gostei mesmo muito do livro, a escrita de Atwood é fácil e adapta-se desde o estilo infantil das personagens na infância, ao astuto dos adultos e ao ardiloso dos que promovem a revolução sem nunca perder consistência de todas as partes, no fim um simpósio de reflexão científica sobre Gilead no século XXI.
2 comentários:
nossa, quero muito ler esse livro. ainda não tenho. atwood está entre meus escritores preferidos. beijos, pedrita
Tem um estilo diferente de Handmaid Tale, mas preserva aquele tom de memórias e vai-se tornando cada vez mais empolgante.
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