"A um Deus desconhecido", do norteamericano laureado com o Nobel John Steinbeck, é um romance onde, além da ligação do agricultor à terra e das suas dificuldades de sobrevivência face à insegurança dos seus rendimentos e à dependência dos caprichos meteorológicos que habitualmente é abordado em muitas obras deste escritor, mergulha também nas raízes religiosas do homem colocando em confronto visão vertical do cristianismo com a os antecedentes animistas que explicam o equilíbrio da produção agrícola com uma perspetiva horizontal do espírito que atravessa todas as coisas da natureza.
Joseph Wayne de uma quinta do leste dos Estados Unidos sonha com uma nova herdade na Califórnia cuja terra está aberta à ocupação de novos exploradores, pede a benção ao pai para cumprir este objetivo que no ocaso da vida lha concede e promete estar sempre a acompanhá-lo de cima depois da vida o deixar. O protagonista parte para o oeste, adquire um prometedor campo, tem conhecimento de histórias de secas passadas, encontra indícios de cultos índios à fertilidade da terra e encanta-se com uma árvore na qual sente expressar-se toda força da vida do vale. A morte do pai leva os irmãos a se juntarem à exploração marcada pelo sucesso.
A visão de fanatismo religioso de um dos irmãos e as preocupações de um padre face os sinais animistas levam a que a sua árvore seja abatida e desde de então tudo declina: a seca, a fome a miséria, a migração, mas Joseph resiste no terreno que assumiu proteger, nem que para isso tenha de se tornar no sacerdote capaz de oferecer o supremo sacrifício a esse deus que dá a vida à terra.
Steinbeck para mim é o escritor que melhor mostra o modo como o agricultor vê o campo, a paisagem e interpreta o sinais meteorológicos e descreve a atividade da agricultura tradicional e a vida rural na primeira metade do século XX, fazendo tudo isto com uma escrita perfeita, plena de beleza e de metáfora originais e este romance cria imagens que são quadros perfeitos neste domínio. A temática saudosista de uma crença abandonada mas em pleno equilíbrio com a natureza em choque com uma fé contemporânea desenraizada da terra na alma de um agricultor leva a uma história onde o misticismo e as dúvidas sobre o espírito que controla o mundo atravessam toda a obra como uma luta entre o racionalismo, a religião, a ternura pelo que nos rodeia e o amor sob a a dureza da vida rural. Um pequeno romance que é uma pérola literária.
8 comentários:
nunca tinha pensado nesse autor como tendo um olhar a agricultura. eu li a leste do éden. não sei se tem esse nome em portugal e gostei muito. mas faz muitos anos. pela temática de agricultura me interessei. beijos, pedrita
A vida dos agricultores e as suas dificuldades é um dos temas mais frequentes no autor e está inclusive abordado em "A leste do paraíso" que já li e falei no blogue e no seu livro mais famoso "As vinhas da ira". embora esteja ausente na Pérola e em O inverno do nosso descontentamento. É um escritor do qual já li muitas obras e que aprecio muito a sua escrita.
Também gosto muito de Steinbeck.
"Além" foi a minha penúltima leitura, muito interessante.
Li este romance do norte-americano tinha 17 anos e ficou o livro da minha vida. Reli-o com 36 anos. Gostei, mas não como da primeira vez, no entanto, continua a ser o meu romance favorito de John Steinbeck.
Marta
Além foi escolhido na sequência da leitura de Submissão de Houellebecq, onde deduzo tratar-se de um grande escritor cujas temáticas por fugirem às tendências foi desvalorizado ao longo do tempo. Conversão, dúvidas da vida sem o vazio existencialista é um assunto que muito me interessa. Do que já li percebi que tem uma magnífica escrita e faz uma análise crítica da arte no seu livro com um nível raro de se ler num romance. Estou a gostar muito.
Ematejoca
Custa-me dizer qual o meu Steinbeck favorito, mas Vinhas da Ira e a Pérola, apesar de tão diferentes, são obras para mim inesquecíveis. Esta é mais perturbadora.
Também foi via Houellebecq que cheguei a Huysmans. Fiz a minha estreia há 2 anos, sensivelmente, com "Ao Arrepio", que é o livro que deslumbra e obceca Dorian Gray, em "O retrato de Dorian Gray", que considero um livro absolutamente notável.
Para além da escrita e dos tema de Huysmans também gosto e valorizo muito as traduções e apresentações de Aníbal Fernandes que estão quase sempre presentes nas traduções francesas das editoras Assírio & Alvim e da Sistema Solar.
Livro incrivelmente bonito. Li-o há uns anos e acho que talvez seja o mais marcante do autor - ainda só li livros mais curtos do Steinbeck, será quiçá relevante acrescentar -, apesar do peso que "Of Mice and Men" tem para mim.
Pois já me recomendaram vivamente O rato e o Homem, mas ainda não li. Adorei "A pérola", mas o que mais me marcou até ao presente talvez seja mesmo "As vinhas da Ira"
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