"As vozes do rio Pamano" do catalão Jaume Cabré é daqueles livros que não são apenas mais uma obra de ficção, é daqueles romances que pela sua estrutura, narrativa, imaginação, informação histórica e social e qualidade intrínseca enriquecem a literatura como forma de arte.
"As vozes do rio Pamano" - através de uma intrincada exposição de cenas, diálogos e reflexões dos protagonistas, dispostas no livro sem respeitar uma linha cronológica, mas que muitas vezes se entrecruzam, se chocam dentro dos mesmos capítulos, relembram o passado ou vislumbram o futuro - tece uma trama que retrata o continuar do sangrar das feridas abertas com a guerra civil de Espanha durante os quase 80 anos anos que se lhe seguiram tanto durante a ditadura com os golpes oportunistas dos poderosos, seus opositores do momento e vítimas, como penetram a democracia com o aproveitamento e adaptação dos mesmos às novas realidades sociopolíticas, tudo isto com o apadrinhamento da Igreja, ora comprometida com os erros ora vítima dos que sempre sabem dar a volta por cima e manipulado por uma paixão doentia, louca e obsessiva de uma mulher com uma força, genialidade, vícios e ânsia de domínio gigantes mas que agiu como culpada e vítima na infelicidade do seu amor devido aos conflitos ideológicos em jogo e da qual era peça ativa neste jogo.
Sendo um romance tipicamente da identidade catalã, não é nem nacionalista nem unionista, limita-se a tirar proveito de tudo o que tem entrado em jogo na história da Catalunha pirenaica na fronteira com a França, ora denunciando os interesses da igreja ou das várias partes ideologicamente mais conflituantes no terreno a esquerda e a direita, entrando como personagens secundárias pessoas reais como o Papa João Paulo II e Josemaria Escrivá que serão peças manipuladas num processo para a subida ao altar de um inimigo da igreja, mestre-de-escola, pintor, agente duplo, cobarde e herói, mas, sobretudo, muito amado por uma mulher capaz de tudo.
Para mostrar a baixeza e os vícios privados de poderosos cheios de virtudes públicas, Jaume Cabré recorre por vezes ao calão e à linguagem brejeira da luxúria, todavia a forma natural como é integrado num texto magnificamente trabalhado e numa obra que é em simultâneo um thriller, uma investigação histórica, a descrição dos viveres durante a ditadura e um romance de amor extremo o vocabulário por vezes chocante é plenamente aceitável numa escrita narrativa brilhante e cheia de vida. Um romance magnífico que vale a pena ler apesar de ter mais de 600 páginas.
2 comentários:
não conhecia, fiquei curiosa. a capa é incrível. beijos, pedrita
A capa é baseada na mesma fotografia foi da edição original, catalão, embora com um enquadramento um pouco diferente. Também não conhecia o escritor, mas é sem dúvida uma grande obra que vale a pena ler, mais um romance a que fiquei rendido.
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