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sexta-feira, 24 de janeiro de 2025

"NEXT" de Michael Crichton

 

Resenha da capa frontal do livro

"Bem-vindo ao mundo da genética.

Acelerado, furioso, sem lei."

Em pouco tempo voltei ao escritor norte-americano criador do género literário denominado de "thriller tecnológico": Michael Crichton, agora com "Next". A trama cruza várias aventuras envolvendo investigadores genéticos concorrentes entre si, todos com ações no limite ou a ultrapassar a legalidade, nomeadamente: experiências genéticas com pessoas com consequências imprevisíveis; criadores de híbridos de genes humanos com animais; lutas por patentes de genes humanos com potencialidades de cura ou causadores de doenças; a utilização abusiva de pessoas como mercadoria sua, desrespeitando os direitos destas e batalhas destas perante a justiça num quadro legislativo cheio de imperfeições e de ética duvidosa.

Assim, a histórias conduzem a situações extremas de suspense de batalhas legais, animais semi-humanos interventivos, raptos de pessoas cujo corpo possui genes patenteados, envelhecimentos precoces imprevistos, animais que são filhos de gente e tornam-se personagens humanas, tudo isto num caos que é mais uma alerta para os riscos da investigação genética sem regras legais claras, sem bom senso, cientistas sem ética na sua investigação e busca de financiamentos numa sociedade onde a comunicação social especulativa agrava ainda mais as situações.

Numa espécie de posfácio, Crichton fala dos principais aspetos a corrigir na legislação americana, justificando várias leis pouco éticas, nomeadamente o de alguém ou uma instituição poderem ser donos de genes naturais sem os terem criado, mas sim a natureza. Importa ter em atenção que a obra foi escrita no início do século XXI e não sei se a legislação foi melhorada, sei que na população muitos temores subsistem em torno da engenharia genética, clonagem e outras tecnologias em torno deste campo de investigação.

O desenrolar do romance intercala capítulos curtos com situações envolvendo as personagens e suas criações com pretensos artigos nos mídia que falam dos mesmos temas que se passam na narrativa, dando assim um cariz de maior abrangência dos casos e o efeito amplificador da comunicação social para o caos. No seu conjunto, o desenrolar das histórias torna-se algo caótico, mas segura o suspense quando passa de situações distintas. A obra vale mais como um alerta para a necessidade de ética e regulação neste domínio científico do que por uma narrativa bem estruturada.


sábado, 18 de janeiro de 2025

"Nexus - História Breve das Redes de Informação da Idade da Pedra à Inteligência Artificial" de Yuval Noah Harari

 

Citações

"A ascensão de máquinas inteligentes capazes de tomar decisões e criar ideias significa que, pela primeira vez na História, o poder se está a transferir dos humanos para outro agente."

"Eis o traço distintivo da Inteligência Artificial: a máquina aprende, depois age de moto próprio."

Pela terceira vez li um ensaio em ebook de Yuval Noah Harari - um historiador israelita, formado em história militar e considerado um dos filósofos internacionalmente mais influentes da atualidade - "Nexus - Uma História Breve das Redes de Informação da Idade da Pedra à Inteligência Artificial".

Em Nexus, o autor começa por definir o que é informação, o seu papel em unir as pessoas, mas destrói a ingenuidade de quem acredita que quanto mais informação mais se está perto da verdade e de se tomar as decisões certas.

O livro prossegue com uma exposição histórica de como a informação aproveitou a utilização de novas técnicas para se desenvolver e expandir-se e assim foi moldando o evoluir da humanidade, evidencia o seu papel agregador e também o seu uso para controlar a sociedade e, com exemplos minuciosamente explicados, como esta suportou perseguições desumanas e catastróficas desde a antiguidade até ao século XXI, tal como permitiu salvar pessoas, pois não só serviu transmitir conhecimento científico e foi meio para fortalecer democracias que não sobreviveriam sem uma boa rede de comunicação, como também foi usada para alimentar preconceitos e para intensificar ditaduras que a usou para subjugar a população. Paralelamente, demonstra como a Inteligência Artificial (IA) é algo completamente diferente de todas as anterior tecnologias de suporte da informação, pela primeira vez esta pode ser controlada por não humanos e age sem a consciência e os sentimentos dos seres vivos, sendo ainda capaz de aprender, replicar-se e decidir por si só e com um elevado risco de fugir ao controlo da humanidade e da compreensão desta, algo capaz de nos manipular ou mesmo nos destruir.

Como habitualmente é referido nos livros de Harari, o futuro não é determinista, existem possibilidades várias de perspetivar o futuro de como irá a IA modelar a civilização global. Neste momento considera o autor que ainda pode estar na mão dos humanos evitar uma futura escravidão da humanidade a uma entidade não biológica e conseguir-se um equilíbrio que permita a IA ser útil e ficar ao serviço do Homo sapiens. Potencialidades são muitas, mas os riscos não são menos, conforme o ensaio explica muito bem. Uma obra que é um alerta para se evitar o domínio do algoritmo inteligente sobre a vida inteligente.

Sim, gostei muito do livro, mas como já conheço bem o autor - um filósofo ateu que acredita que a capacidade dos humanos se organizarem e comunicarem entre si foi a fonte do seu sucesso-, esta obra já não me surpreendeu tanto como em Homo Deus, mas como em todos os seus livros, este mostra que a humanidade volta a ter nas suas mãos um novo meio para se autodestruir e erradicar o sucesso da espécie e agora até para se escravizar pela primeira vez a uma entidade não orgânica. 

Pessoalmente, vendo o comportamento atual de alguns proprietários de grandes empresas mundiais de novas tecnologias, eu não ando numa fase otimista.... mas recomendo a leitura e depois reflita sobre as possibilidades e riscos que nos traz a IA.

quarta-feira, 8 de janeiro de 2025

"Maus hábitos" de Alana S. Portero

Citações

"O medo que se passa no armário fabrica monstros a partir de sombras chinesas."
"Antes de conseguirmos definir-nos, os outros desenham os nossos contornos com os seus preconceitos e as suas violências."


Acabei de ler o romance estreia da escritora espanhola Alana S. Portero: "Maus hábitos", vencedor de vários prémios literários e um sucesso editorial naquele país.
O romance conta a vida de Alex pelos seus olhos desde criança, quando toma consciência que se sente mulher. Assim, fala do bairro pobre de Madrid onde vive, descreve uma juventude envenenada pela heroína, a vida de operários e domésticas com salários de miséria, famílias com violência doméstica tolerada pelas autoridades, prostitutas e travestis alvo de preconceitos e a sua tomada de consciência de que é diferente e precisa de tomar atitudes que a protejam da discriminação. Na adolescência, enquanto vai estudando, procura longe do bairro gente para relações, conhece o seu primeiro amor decepado pela intolerância, contacta com mulheres trans que a protegem até ser vítima de uma violência homofóbica. Fechada no armário, licencia-se, arranja emprego, mas vai necessitar do apoio da família e assim volta à origem até assumir a sua condição de transgénero já em pleno século XXI.
Apercebemo-nos por pormenores que Alex será o alter-ego da escritora e portanto a obra é quase uma biografia romanceada da sua sobrevivência numa Madrid desde os primeiros anos de democracia e liberdade, mas ainda dominada pela imposição dos costumes da ditadura.
O texto, cheio de metáforas e de imagens pouco comuns por mostrar uma perspectiva diferente da generalidade das personagens habituais na literatura, possui uma escrita sensível e terna, nunca erótica, mas há ações de violência física e psicológica sobre Alex, e muitas referências a artistas da década de 1980, menções de canções e filmes que moldaram a cultura daquela década e ligações as personagens da cultura clássica e da religiosidade popular. Saliento a ternura entre os membros da sua família, num permanente equilíbrio precário entre a incompreensão e a aceitação temperada pelo amor.
Literariamente é um livro bom, fácil de ler, sentimental e acessível a qualquer leitor livre de preconceitos ou para o ajudar a se libertar destes.

sábado, 4 de janeiro de 2025

"Um animal Selvagem" de Joël Dicker

 

Regressei ao escritor suíço Joël Dicker - grande génio atual em obras de suspense de puro entretimento pela sua originalidade no modo de contar a história - com "Um animal selvagem" que comprova o estilo que descrevi.

O romance começa logo por apresentar o início de um assalto a uma joalharia em Genebra e de imediato apercebemo-nos da perfeição do planeamento do ato, só que, de de súbito, o autor faz-nos recuar 20 dias para nos apresentar as personagens que estarão envolvidas na trama: duas famílias, uma endinheirada e com vida de luxo que se amam que inclui um dos assaltantes; e outra de um polícia de intervenção que virá a descobrir o plano e deve ter a função de evitar o roubo, mas que vive num bairro humilde e onde a mulher aspira ao estilo da outra, os dois casais conhecem-se e tornam-se grandes amigos entre si nos dias que antecedem ao furto.

Depois, numa sucessão de pequenos episódios diários, vamo-nos apercebendo da vida familiar e do plano a ser montando por uns, alternando com curtíssimas cenas do desenrolar do assalto, intercalados com relatos de segredos do passado, alguns com mais de 15 anos, que levaram às personagens a alcançarem o sucesso. Entretanto, nos dias de preparação, as paixões, os ciúmes e as invejas vão minando a relação entre os vigiados, desejados e invejados e os vigilantes e assim vão-se montando armadilhas uns aos outros, além de outras personagens que interferem nesta teia, até conhecermos completamente como decorreu o roubo, o passado dos ladrões e as consequências de todas ciladas perpetradas entre os envolvidos nesta história.

Joël Dicker é um mestre em levar o leitor a deduções erradas e em criar, sequencialmente, as mais espetaculares reviravoltas no desenrolar dos acontecimentos e nas reinterpretações das pistas lançadas. Assim, o escritor nunca deixa de nos surpreender até à última página, quando se fica rendido pelas voltas que aconteceram ao longo da narrativa sem esta nunca perder a consistência. Um deleite de entretimento e suspense ao longo de um texto fácil, escorreito, sem grande virtuosismo literário, mas que é difícil parar de ler pelo entusiasmo que desperta.