Acabo de ler o terceiro romance deste quarteto de casos policiais, independentes, que se desenrolam na capital de Cuba nas estações sucessivas do mesmo ano de 1989 e resolvidos pelo tenente Mario Conde: o polícia frustrado que sempre desejou ser escritor. "Morte em Havana" começa com a descoberta do corpo de um travesti estrangulado na noite da festividade da transfiguração de Cristo. Este é filho de alguém poderoso na cidade, vestia o traje de uma mulher criado por um grande cenógrafo do país, mas retirado do ativo por perseguição à sua orientação sexual e não acatar as diretrizes para a arte impostas pelo regime.
O detetive, com preconceito contra os homossexuais, vai descobrindo o que fora o sofrimento da vida da vítima: um católico em confronto com a pai, a sua intimidade e a hipocrisia do regime; apercebe-se do grande homem do teatro e cultura exilado profissionalmente que lhe conta a sua vida e a cruz dos chamados de invertidos, o que desemboca em autorreflexões sobre a sua paixão pela escrita numa Havana que persegue cidadãos de grande valor e honra por questões íntimas, mas criadores livres, num sistema que martiriza o povo, até compreender como tudo isto levou a um homicídio hediondo que também foi um autossacrifício de entrega de um crente.
Bem escrito, com reflexões que servem de metáfora para denunciar as revoluções culturais comunistas, mas sem criticar o sistema tão diretamente. Padura escreve um romance policial que é, ao mesmo tempo, uma obra de apelo ao respeito pela diferença e contra o preconceito, a que junta um nível literário e informação cultural e onde entram personagens reais marcantes da filosofia e cultura parisiense dos anos 1960/70, mostra a vida difícil do povo em Cuba e tudo isto no género policial fácil mas sem ser uma narrativa banal de entretenimento.
Como bónus, o romance contém um excelente conto de Mario Conde, neste, Padura mostra a sua genialidade de escrita de histórias curtas e as influências de Sartre e Camus na forma de pensar do detetive. Gostei.