"A Alma dos Ricos" de Agustina Bessa-Luís é o segundo livro da trilogia "O Princípio da Incerteza", apesar de ser a primeira obra desta série que eu leio, esta constitui por si só um romance completo e por isso não carece da leitura do anterior para o degustar com prazer.
O romance narra a vida de Alfreda através de várias personagens que viveram próximas dela. A protagonista, filha de uma família rica e tradicional do norte de Portugal, mistura a importância da herança aristocrática com a riqueza burguesa. Uma mulher original que não se comporta como as outras de igual estatuto social, alguém que se descobre estéril, que faz um casamento de conveniência que assume o seu papel de esposa, para quem o sexo não é uma força que a move, mas tem a ambição de ser visitada pela Virgem Maria, pois sente-se mais habilitada para a receber condignamente do que os habituais videntes a quem lhe quer fazer uma perguntas...
Alfreda discute com um mestre de história hebraica e um padre o estatuto social da família de Maria, - cujos indícios a partir de apócrifos e de líderes históricos cabalistas contemporâneos Dela apontariam ter um estatuto social, económico e cultural elevado no tempo de Herodes e haver os sinais que tal origem se refletiria no modo de agir de Jesus. Apesar de se questionarem assuntos da vida das personagens centrais do catolicismo e de por vezes estes serem abordados de uma forma totalmente humana e parecerem roçar heresias na doutrina religiosa, não é uma obra que fira a moral ou o catecismo dos crentes.
Estas dissertações ensaístas no romance não impedem que Agustina faça também uma caracterização da vida social das famílias dominantes de entre Doutro e Minho e as mudanças nestas ao longo do século XX, sobretudo após a revolução de Abril, com uma denúncia dos vícios públicos e privados dos diferentes estratos que coabitam esta região do País. É uma obra que mostra de facto a "alma do norte".
Gostei muito, embora o texto seja de fácil leitura, a densidade de informação, o lento desenrolar da história, o tom introspetivo e a profundidade de alguns temas tornam o romance mais destinado a apreciadores de ensaios e ficção profunda do que a apreciadores de literatura ligeira como um mero passatempo.