Citação
"Uma biblioteca não é algo para ler, mas sim uma companhia - disse ele, ... Um remédio e um consolo."
Em pouco tempo regressei a este escritor espanhol: Arturo Pérez-Reverte, agora com uma obra que quando foi traduzida logo quis ler: "Homens Bons", por ser um romance que fala da importância dos livros e de pessoas que lutam pela sobrevivência e propagação de livros. Neste caso, a aquisição, no século XVIII, pela Real Academia Espanhola, da primeira edição da Enciclopédia de Diderot e d'Alembert, uma coletânea de saberes que é um marco da época das luzes e considerada subversiva pela Inquisição ao dar prioridade à verdade científica e à razão nos seus artigos em detrimento da Bíblia e diretrizes religiosas como era regra até então.
Dois membros da Real Academia Espanhola são nomeados para irem de Madrid a Paris comprar a primeira edição de Enciclopédia Francesa, então o expoente máximo da época das luzes, mas ignoram que outros dois membros, em segredo, um jornalista por conservadorismo doentio e outro filósofo medíocre por inveja do reconhecimento do saber de outros, conspiram para que a viagem não concretize este objetivo. Pedro Zárate e Hermógenes Molina, duas pessoas muito diferentes mas amantes do saber, no meio de dificuldades arrancam na sua atribulada deslocação sem perceberem que alguém os segue e conspira. Na cidade das luzes os protagonistas descobrem um mundo diferente, grandes nomes das ciências e cultura, como o próprio Diderot, além de outros sábios e amigos de Voltaire e Rousseau, bem como um abade revoltado contra a ignorância que a igreja impõe e o despotismo da elite absolutista que escraviza a população, encontramos também uma dama que domina a vida social da cidade, o que permite pôr a nu uma capital de contrastes, vícios e onde nem tudo é razão e luz.
Pérez-Reverte vai romanceando esta viagem histórica verídica, intercalando textos de como investigou e encenou os principais episódios do livro e narrando as entrevistas que realizou, referenciando os livros que leu. Monta assim uma série de textos que ora são o desenrolar do romance, ora são o trabalho do escritor, mas, à semelhança de Proust na sua obra-prima, aqui o autor também não é exatamente o escritor, uma série de pormenores, como a referência aos seus livros torna evidente que também este autor é uma personagem ficcionada, um alter-ego que não é exatamente Pérez-Reverte.
O conjunto do romance permite fazer um retrato da época, mostrar a realidade que então se vivia numa Espanha conservadora, dominada pela Inquisição e com um rei que queria mudar o estado das coisas sem conseguir sempre sobrepor-se aos poderes instalados. Assistimos ao ambiente explosivo que se vivia então em Paris, cheia de contradições em choque que prenunciavam não só a revolução francesa, mas também a chacina a ela associada cujas ideias que marcam as luzes e a razão não previram.
Um romance que não só ensina como foi aquela época tão marcante no século XVIII, como cultiva o amor pelos livros, o saber e apela ao fim da ignorância baseada no misticismo sempre em luta com a verdade resultante da ciência.