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segunda-feira, 12 de outubro de 2020

"Sinais de Infinito" de Humberto Moura


Acabei de ler o romance "Sinais de Infinito" da autoria de Humberto Moura, açoriano e residente na ilha do Faial e de quem sou amigo de família desde jovem, tendo recebido este exemplar por oferta do próprio, com dedicatória já há uns anos e já octogenários mas portador de uma grande lucidez e cultura em vários campos. 

A presente obra vem na sequência de outro romance do autor: "Sismo na Madrugada" que já li ainda antes deste blogue se dedicar à divulgação das minhas leituras, que me deixara então bem impressionado, o qual era referente a um filho do Faial e de mãe solteira que se destacara pela sua inteligência e por condicionantes pessoais e da ilha que o levara a sair da sua terra se tornara num jornalista de referência numa cadeia estrangeira e correra o mundo, passando a ser uma pessoa mundialmente influente, conhecida e próxima de muitos líderes  e acontecimentos que marcaram o século XX, mas que no ocaso da vida se recolhera às origens como um simples cidadão pouco compreendido pelos seus conterrâneos ainda isolados do exterior.

Sinais de Infinito prossegue a saga familiar através da neta: jornalista e igualmente famosa na mesma cadeia internacional de comunicação social. Contudo o anterior protagonista apenas soube da sua existência e a conheceu nas vésperas da sua morte já no final do anterior romance. Harriet Terra agora irá tentar perceber melhor quem foi o avô através dos seus amigos mais chegados no Faial nos últimos tempos e por um diário que terá sobrevivido ao sismo de 1998. Entretanto faz uma reportagem televisiva sobre a sua personalidade que coloca a ilha no palco do mundo, gerando um alvoroço na terra e a seguir vai visitar locais por onde ele andou e ver-se-á envolvida no cenário de uma das maiores guerras de transição do século XX para XXI.

O autor cria um romance com elementos históricos e conteúdo enciclopédico pelo saber e diversidade das personagens em torno das quais a obra progride que têm uma amizade de grupo: a jornalista conhecedora e crítica do mundo contemporâneo, um padre historiador do Faial, um médico local que questiona o seu papel na sociedade e, sobretudo, um investigador da Horta de ciências, entendido nos maiores filósofos, gnóstico e herético e interessado em descobrir o prolongamento da vida. A este núcleo juntam-se personagens secundárias que complementam o ramalhete: o presidente da câmara interessado em tirar proveito político do fenómeno, um leitor dos documentos dos Açores no arquivo nacional, uma criada do Pico entendida no saber popular e um operador de câmara sobrinho de um escritor famoso com sucessos sobre conflitos com temas de sociedades ocultas, religiões e o graal.

Deste leque brotarão numerosas reflexões sobre questões éticas e morais da sociedade contemporânea, menções a personalidades do passado e suas ideias que se destacaram pelo seu saber gnóstico, científico ou filosófico e foram vítimas dos poderes da sua época, o que permite um debate sobre os objetivos da vida, o envelhecimento, o prolongamento da esperança de vida com qualidade e as questões das ciências, tudo isto com uma pitada de especulação em torno do ocultismo e a colocação do Faial no centro de um papel messiânico para a humanidade. A referência a temas gnósticos, maçónicos e filosóficos tem um papel muito importante na obra.

A narrativa opta por ser escorreita sem a perturbação de escritas criativas que estão na moda, contudo autor destaca em itálico numerosas expressões locais e pensamentos que pretende levar à reflexão, postos em confronto, por vezes devem refletir a opinião do autor expressados pelos seus personagens, concorde-se ou não com essas deduções.

Gostei imenso da contextualização da Horta no evoluir da história dos últimos cinco séculos devido ao seu papel como porto que acolhia a navegação mundial que passava no Atlântico Norte e como polo das telecomunicações no final do século XIX até meados do XX, dando oportunidade para numerosas revelações do passado da ilha e da complementaridade com o Pico. Apesar da referência a se estar perante uma obra de ficção, na verdade é possível perceber a influência de certas personalidades da ilha que serviram de fonte às personagens e, inclusive, o quanto do autor (porque o conheço) está na forma de olhar o mundo de hoje e as questões morais e éticas levantadas.

Apesar da grande quantidade de assuntos abordados mais ou menos profundamente, o livro lê-se muito bem e mesmo centrado no Faial tem temática para interessar leitores de qualquer outra região, mas sem dúvida a compreensão da sua riqueza aumenta se o leitor conhecer bem as ilha do Faial e Pico e suas gentes, permitindo assim tirar muito mais gozo da leitura desta obra. Não é essencial ler o romance anterior, mas não só ajuda como é muito interessante esse primeiro volume da saga que poderia dar uma trilogia.

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