Excerto
"nada detém uma mulher quando ela quer alguma coisa."
Acabei de ler o primeiro volume da edição dos contos da obra "As mil e uma noites", um dos clássicos da literatura universal, com origem na idade média saído do mundo islâmico, sendo esta edição uma tradução da versão mais antiga conhecida em língua árabe editada por crowdfunding.
Este volume começa com um historial sobre as origens geográficas, linguísticas e divulgação desta obra até chegar ao ocidente e depois alguma evolução que esta sofreu já na Europa por adições para satisfazer o público não constantes no início, onde fica evidente porque se está perante uma das obras mais conhecidas das pessoas que simultaneamente o real conteúdo é desconhecido. Apesar da sua importância para o contexto da obra, confesso que apenas folheei e li excertos.
Depois segue-se a obra propriamente dita, onde se descobrem as razões porque o rei Xariar decidiu todos os dias casar com uma súbdita diferente, matá-la a seguir à noite de núpcias e a estratégia de Xerazade para pôr termo a esta carnificina através de se oferecer em casamento a ele e iniciar um série de contos narrados a sua irmã, Dinazarde, que alimentassem a curiosidade do marido e a mantivesse viva.
Os contos, na sua grande maioria, são do estilo fantástico ou do género fábula, não com bruxas e fadas do estilo ocidental, mas com os seus equivalentes no imaginário do médio oriente: génios e ifrites, cuja narrativa pode atravessar várias noites, sendo interrompida em momentos de suspense para manter o interesse e quando terminam deixam com frequência pistas por esclarecer que permitem o encadear de estórias e preservar a curiosidade.
Os contos encerram muitas vezes lições de moral e bons costumes, intercalados com aprendizagens da vida sobre as injustiças na vida terrena, havendo partes em prosa e outras em verso que sintetizam provérbios ou são cantos de amor ou do elogio à beleza física e intelectual. Pelo meio há algumas passagens quase eróticas e mesmo momentos brejeiros. Contudo o papel superior da vontade do Deus único, como agente do triunfo da Justiça e do Bem sobre a perfídia e malvadez, é frequentemente invocado e atravessa todo livro, mas não se está perante o deus ex-machina da literatura clássica ocidental que intervém diretamente para castigar ou corrigir o mal.
O tradutor disponibiliza numerosas notas em rodapé que esclarecem pormenores do texto relativos à cultura da época, à mentalidade do médio oriente ou do mundo muçulmano e, inclusive, dificuldades de tradução e enquadramentos históricos que muito enriquecem o saber do leitor e ajudam a compreender e a referenciar aspetos que passariam despercebidos.
Não sou um habitual fã de contos fantásticos, mas reconheço a riqueza destas histórias, a influência cultural das mesmas e confesso que além de se estar perante uma obra de fácil leitura, o suspense que é mantido assegura o interesse e o prazer da leitura e em breve espero entrar no volume seguinte deste clássico da literatura mundial que vale a pena conhecer.