Excerto
"Nunca o nevoeiro será bastante espesso, nunca o barro e a lama terão suficiente profundidade para estar ao nível da cerração e das dificuldades por que hoje passa este Tribunal Supremo da Chancelaria, o mais nauseante de todos os velhos pecadores, à face da terra."
Acabei de ler um extenso, denso e profundo romance do inglês Charles Dickens "A Casa Sombria". Um casal de jovens primos, órfãos é acolhido sob proteção de um tutor parente na sua Casa Sombria enquanto aqueles aguardam a posse da sua herança retida pelo Supremo Tribunal em Londres há gerações num processo de denúncia do testamento e apaixonam-se entre si. Em paralelo, o dono da casa escolhe outra jovem para dama de companhia que é filha de pais incógnitos, ela sabe ser fruto de uma relação ilegítima e escondida para salvar a honra de uma família que percebemos ser de alta sociedade e é a principal narradora da estória.
Em torno das duas famílias de origem dos três jovens da Casa Sombria, bem como do bairro do tribunal, circulam advogados honestos e interesseiros, tarefeiros, espiões, criados, interessados da justiça, gente detentora de segredos familiares ambiciosa, chantagistas, pessoas que se apaixonam, cidadãos doentes, pobre explorados, honrados ou revoltados ao sentirem-se vítimas de erros do passado ou da situação social, médicos, indivíduos que morrem, criminosos e ainda usurários exploradores da desgraça alheia, detetives policiais, pessoas amigas e adversárias e até beneméritos sociais mais atentos às suas causas solidárias públicas do que às suas obrigações sobre os que lhe são mais próximos e estão a seu cargo, tecendo um malha exaustiva do retrato coletivo da sociedade londrina sobre a qual paira um sistema judicial que é o maior agente de injustiça que se abate em cima desta população.
Efetivamente, no livro há personagens criminosas, assassinas e gente com sede de Justiça, mas torna-se evidente que a mais criminosa, a mais assassina e a mais injusta é a montada pelo sistema judicial, ou seja: a justiça neste Estado de Direito.
Charles Dickens escreve este romance sem pressa. Ao longo das três primeiras centenas de páginas vai introduzindo personagens, isoladas ou em família, que tanto podem ser modelos de virtude ou vilões que vão sendo caracterizadas em pormenor: não só através do seu comportamento individual e indicação de pistas de intenções ocultas, como também através do meio onde vivem e das características urbanas dos locais onde trabalham ou residem e várias delas vemos inclusive o seu regredir fruto do sistema social e de justiça vigente. As exposições cénicas e dos ambientes sociais são de uma grande riqueza estilística descritiva e metafórica pois é um meio para fazer um paralelo entre a realidade paisagística, arquitetónica, meteorológica ou de higiene com os desequilíbrios das personagens e da sociedade. Desta técnica narrativa Dickens mostra genialmente o obscurantismo corrosivo, doentio e até mortal da justiça com recurso clima pestilento resultante da humidade, neblina e frio em que insere logo no início o trabalho proveniente do Supremo Tribunal da Chacelaria.
Nas últimas centenas de páginas, nunca com pressa, os nós soltos da primeira metade começam a unir-se e a montar a teia que constrói o retrato global que até às últimas páginas nos vai surpreendendo, não apenas com revelações e desenlaces agradáveis para um final feliz, mas também com relatos das consequências duras e revoltantes de todos os aspetos negativos que Dickens denunciou publicamente com este romance.
É um magnífico romance e como não houve pressa na narrativa torna-se longo e nem sempre belo, Dickens através da fealdade evidenciou a força e os efeitos do mal que grassava no sistema de justiça da inglês em meados do século XIX e temperou a crueza desta realidade com a beleza do amor romântico e solidário que permite a sobrevivência do humanismo nesta sociedade injusta, cheia de egoísmos e de oportunistas, inclusive é realçada em alguém cuja a doença a desfigura mas sempre bela pela força humana que dela continua a brotar. Um livro marcante.
Em torno das duas famílias de origem dos três jovens da Casa Sombria, bem como do bairro do tribunal, circulam advogados honestos e interesseiros, tarefeiros, espiões, criados, interessados da justiça, gente detentora de segredos familiares ambiciosa, chantagistas, pessoas que se apaixonam, cidadãos doentes, pobre explorados, honrados ou revoltados ao sentirem-se vítimas de erros do passado ou da situação social, médicos, indivíduos que morrem, criminosos e ainda usurários exploradores da desgraça alheia, detetives policiais, pessoas amigas e adversárias e até beneméritos sociais mais atentos às suas causas solidárias públicas do que às suas obrigações sobre os que lhe são mais próximos e estão a seu cargo, tecendo um malha exaustiva do retrato coletivo da sociedade londrina sobre a qual paira um sistema judicial que é o maior agente de injustiça que se abate em cima desta população.
Efetivamente, no livro há personagens criminosas, assassinas e gente com sede de Justiça, mas torna-se evidente que a mais criminosa, a mais assassina e a mais injusta é a montada pelo sistema judicial, ou seja: a justiça neste Estado de Direito.
Charles Dickens escreve este romance sem pressa. Ao longo das três primeiras centenas de páginas vai introduzindo personagens, isoladas ou em família, que tanto podem ser modelos de virtude ou vilões que vão sendo caracterizadas em pormenor: não só através do seu comportamento individual e indicação de pistas de intenções ocultas, como também através do meio onde vivem e das características urbanas dos locais onde trabalham ou residem e várias delas vemos inclusive o seu regredir fruto do sistema social e de justiça vigente. As exposições cénicas e dos ambientes sociais são de uma grande riqueza estilística descritiva e metafórica pois é um meio para fazer um paralelo entre a realidade paisagística, arquitetónica, meteorológica ou de higiene com os desequilíbrios das personagens e da sociedade. Desta técnica narrativa Dickens mostra genialmente o obscurantismo corrosivo, doentio e até mortal da justiça com recurso clima pestilento resultante da humidade, neblina e frio em que insere logo no início o trabalho proveniente do Supremo Tribunal da Chacelaria.
Nas últimas centenas de páginas, nunca com pressa, os nós soltos da primeira metade começam a unir-se e a montar a teia que constrói o retrato global que até às últimas páginas nos vai surpreendendo, não apenas com revelações e desenlaces agradáveis para um final feliz, mas também com relatos das consequências duras e revoltantes de todos os aspetos negativos que Dickens denunciou publicamente com este romance.
É um magnífico romance e como não houve pressa na narrativa torna-se longo e nem sempre belo, Dickens através da fealdade evidenciou a força e os efeitos do mal que grassava no sistema de justiça da inglês em meados do século XIX e temperou a crueza desta realidade com a beleza do amor romântico e solidário que permite a sobrevivência do humanismo nesta sociedade injusta, cheia de egoísmos e de oportunistas, inclusive é realçada em alguém cuja a doença a desfigura mas sempre bela pela força humana que dela continua a brotar. Um livro marcante.
esse não li. adoro o autor. incrível a capacidade dele de elaborar tantas tramas e tantos textos. em geral são extensos mesmo. anotadíssimo. beijos, pedrita
ResponderEliminarEste é literária e tecnicamente muito rico, mas ostensivamente mais crítico do País, por vezes duro e nada apressado.
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