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sexta-feira, 28 de outubro de 2022

"A Informação" de Martin Amis

 

Sabia que o estilo de narrativa de Martin Amis me criava dificuldade de concentração na leitura do texto, este é o terceiro romance do escritor que lia, contudo ando numa fase pessoalmente difícil e onde esforço não é compatível com lazer e prazer e por isso não concluí a leitura da obra, apesar de tudo confesso que nos meus bons momentos teria me divertido com as agruras desta vida contemporânea.

A informação trabalha o ódio entre um escritor que fez 40 anos de idade, que se considera de qualidade, mas que escreve livros que não têm saída devido à dificuldade leitura dos mesmos, e outro amigo pessoal de igual idade que com uma escrita e assuntos banais é um sucesso editorial. Assim o primeiro decide-se vingar sobre o invejado medíocre escritor.

Houve momentos em que me diverti na crítica sarcástica e mordaz da vida urbana dos tempos modernos e frustrações da meia-idade e outros onde não me consegui concentrar para os pormenores. Talvez volte um dia à obra. Por agora uma pausa, mas ainda li até à página 203, um sinal promissor que valeria a pena ler em bons momentos, mas a cultura não precisa de me gerar sofrimento e ansiedade sem a devida compensação de tal também me dar um prazer maior, o que com este livro não estava a conseguir neste momento.

sábado, 22 de outubro de 2022

"As duas Águas do Mar" de Francisco José Viegas

Acabei de ler "As duas Águas do Mar" um romance do escritor português Francisco José Viegas, que há mais de três décadas dá vida aos seus investigadores melancólicos da judiciária: Jaime Ramos, a trabalhar no Porto, e o seu colega e amigo Filipe Castanheira, a exercer as suas funções em Ponta Delgada, o que tem permitido uma descrição única das paisagens, vivências e especificidades  da cidade nortenha e das ilhas dos Açores.
Num local ermo na ilha de São Miguel surge o corpo de uma mulher, chamado ao local, Filipe Castanheira vem a saber depois que a autópsia nada prova de violência ou assassinato, apesar do lugar distante para um turista ir mergulhar no mar sozinho. No mesmo dia, em Finisterra na Galiza, Espanha, um homem é assassinado a tiro na praia e Jaime Ramos é convidado a investigar, apesar de ser alguém cujos serviços de informação assumiram o caso e não se tratar de um assunto da judiciária. Todavia os dois colegas amigos em pouco descobrem que Rita e Rui Pedro eram namorados, será coincidência as duas mortes em simultâneo tão separadas no espaço e unidas pelo mar?
Os romances de Francisco José Viegas são classificados como policiais, na realidade, estes narram vivências melancólicas nos Açores e no Porto dos investigadores por criados pelo escritor, conhecemos as respetivas paixões íntimas, a solidão de cada um e o amor de ambos pela gastronomia e confeção de grandes pratos e são estas as vertentes mais intensas dos seus livros. Pelo meio vão-se desenrolando as investigações dos casos policiais que têm entre mãos ou que lhe levantam dúvidas de se serem de facto crimes camuflados de acidentes.
As duas águas do mar é precisamente este género de obra, com descrições das ilhas de São Miguel, Faial e da Galiza cheias de componentes meteorológicas, confeções de pratos cheios de sabores e odores as que se juntam as mágoas interiores dos protagonistas que temperam a obra, até se descobrir que os seus mortos também foram vítimas de criminosos, gente sofrida de amores, solidão e nostalgia, os mesmos sentimentos norteiam a vida de Jaime Ramos e Castanheira.
Gosto muito destes romances cheios de sentimento e descrições únicas das paisagens e vida dos locais por onde a narrativa vai passando. Fácil de ler e recomendo pela sua originalidade e melancolia.

domingo, 9 de outubro de 2022

"Amanhã na batalha pensa em mim" de Javier Marías

 

Excertos

"ninguém faz nada convencido que é mal feito, acontece apenas que em muitos momentos não podemos ter os outros em conta, ficaríamos paralisados, às vezes não podemos pensar senão em nós mesmos e no instante presente, não no que vem a seguir."

"Há coisas que devemos saber de imediato para não andarmos pelo mundo um único minuto com uma convicção de tal forma errada que o mundo é outro para nós."

Seis meses após a descoberta de Javier Marías, que então era ainda um autor vivo e para mim desconhecido, voltei àquele que considero o maior escritor que se me revelou nos últimos tempos e, entretanto, já falecido. Se tanto me impressionou então o romance em três volumes "O teu rosto amanhã", a minha admiração por este romancista espanhol não diminuiu nada com "Amanhã na batalha pensa em mim", mesmo sendo uma obra de menor envergadura em extensão.

Quando Víctor Francés vai para a cama de Marta, uma recém-conhecida e casada e em casa de quem  fora convidado a jantar, deparou-se com um mal-estar desta que acaba inesperadamente por lhe morrer nos braços. À surpresa inicial, seguem-se as indecisões perante a necessidade de deixar o filho dela em segurança e a conveniência de comunicar o facto ao marido ausente no estrangeiro, a que se junta as comunicações comprometedoras no gravador de mensagem entretanto recebidas. Então o protagonista opta por uma solução de ficar incógnito e se sair silenciosamente, mas as questões pendentes levam-no a aproximar-se da família de Marta e do seu marido, bem como a refletir na sua anterior relação com a ex-mulher e no fim a conhecer consequências imprevistas da sua opção.

Tão importante como os acontecimentos que vão sendo narrados e que fazem fluir a narrativa gota a gota, é a pormenorização dos momentos que se desenrolam no romance, a dissecação  das personagens envolvidas e as reflexões que se vão tecendo e entrelaçando em torno de tudo o que se passa no livro. 

A narrativa de Javier Marías não é para se ler em ritmo acelerado, é para se ir degustando calmamente cada frase, cada pensamento, cada aparte, cada reminiscência da própria obra (não é frequente um autor citar-se a si mesmo e menos ainda fazendo-o com frases e ideias expressas na mesma obra, Javier fê-lo e soube-o fazer no que queria realçar). Por vezes há que reler a densa teia de ideias lançadas ao longo do parágrafo. Não há perigo porque não é uma repetição, há sempre um pormenor e uma perspetiva que brota a cada nova leitura de uma parte do texto.

Tal como em Proust e Faulkner, mas sem qualquer imitação destes, a narrativa de Javier Marías é um fluxo contínuo de ideias, de pormenores dos acontecimentos narrados, de reflexões do momento vivido, de pensamentos dos respetivos efeitos e de justificações de comportamentos reativos do ser humano, expondo as situações e as personagens sobre múltiplos ângulos de visão e de abordagem em que o passado e a memória fundamentam parte do presente e este é condicionado pelas várias possibilidade do futuro por se concretizar. Temas como a vida e morte, presença e ausência, memórias e desejos a concretizar vão montando quadros psicológicos com mais pontos de que muita pintura impressionista.

Nem sempre concordo com todas as deduções e afirmações que vão sendo libertadas ao longo do fluxo narrativo, mas estou certo que nem Javier Marías, ou não haveria lugar a algumas possíveis contradições lançadas à reflexão na obra, mas sublinhar a riqueza de pensamentos colocados nos diferentes parágrafos dos livros deste escritor que já li levava quase a um sublinhado contínuo de todo o texto.

Para mim, há escritores que são reconhecidos devido à atribuição de um prémio Nobel da literatura, há outros que enobreceram o prémio por estarem na lista dos laureados por ele e há aqueles que teriam enobrecido se tivessem recebido este galardão literário no período da vigência deste, neste grupo coloco Tolstoi, Proust e agora, estou convicto também Javier Marías. Este romance foi premiado com outros galardões como Fastenrath, Internacional Rómulo Gallegos e Fémina Étranger.

Gostei mesmo muitíssimo do romance, mas, tal como já antes alertara na outra obra, não é um livro de leitura fluída rápida e fácil devido à densidade e riqueza de conteúdo narrativo, neste caso menos lexical, e, como tal, recomendo-o a leitores maduros na apreciação da beleza da escrita e da riqueza literária e pensamentos do um texto.