Acabei de ler, em formato e-book mas disponível em suporte de papel, o livro de memórias "O Mundo de Ontem" de Stefan Zweig. Judeu, austríaco, autor de largas dezenas de novelas em que explora as situações extremas a que podem levar as tensões dos sentimentos de que muito tenho gostado, escreveu também várias biografias de investigação sobre personalidades históricas que admirava. Considerava-se cidadão do mundo e fugiu do país natal com a ascensão do nazismo e teve como último refúgio o Brasil.
Nesta obra Zweig começa por enquadrar a sua família judia no contexto do centro leste da Europa, o modo como a comunidade a que pertencia se integrava e dinamizava a sociedade de então e faz um retrato da mentalidade coletiva da época onde os seus ascendentes enriqueceram.
Seguem-se as memórias da sua infância na cidade de Viena, a vida nesta, os seus deslumbramentos pela atividade cultural desta capital, sobretudo patrocinada pelos judeus, os preconceitos e os tabus morais de então, usando uma língua que em simultâneo mostra compreensão e crítica aspetos ultraconservadores que hoje nos chocam. Zweig encontrou-se com líderes culturais do teatro à literatura que lhe estenderam a mão e tal possibilitou a entrada no mundo do pensamento, teatro, literatura e dos jornais tendo então e viajado por numerosos países europeus, América e Ásia sempre a encontrar-se com os pensadores que admirava e almejava compreender. A sua lucidez nunca o impediu de ver os riscos do alheamento e da crença no sucesso do mundo que se vivia na Áustria e na Europa que ignorava as ameaças que conduziram à primeira grande guerra e a uma mudança de mentalidade de todo Continente.
No pós-guerra, mais amadurecido e já reconhecido como um dos grandes pensadores da época, Zweig integra-se na comunidade de filósofos e escritores defensores de uma Europa unida, supranacional e em prol do desenvolvimento fraternal da humanidade, assim fala com alguns dos grandes líderes culturais do velho Continente, volta a viajar pelo mundo, apercebe-se das loucuras dos anos vinte, das mudanças exacerbadas das mentalidades, dos extremismos que a cultura e a moral estavam a seguir e das dificuldades das populações nos Estados derrotados. Esteve ns União Soviética sem se deixar enganar pela propaganda e cedo temeu a ascensão dos nacionalismos e extrema-direita no ocidente. Insistiu em denunciar a situação, contou com a colaboração de grandes pensadores e com Hitler a tomar o poder viu a sua obra ser proibida e a premonição levou-o a fugir para Inglaterra e a tornar-se pária, mas ficou cidadão de Estado inimigo quando da guerra, Compreende-se então, mas não conta, o exílio no Brasil. Deixa claro que teve esperança que a América Latina fosse o fiel depositário dos valores humanitários que brotaram da Europa que se a suicidava em nome de ideologias destrutivas.
Não sei, talvez porque no exílio tenha compreendido que o Brasil não iria continuar o seu sonho de um mundo supranacional e humanitário ligado aos valores fraternais por que lutata suicidou-se pouco depois de terminar estas memórias.
Na realização dos retratos da época, exposição dos pensamentos do autor, forma de ser dos povos e o evoluir destes ao longo de meio século, bem as esperanças e desilusões das gentes, a análise crítica de Zweig é escrita com uma perfeição tal e com uma capacidade de síntese enorme, que ele próprio explica, que deslumbram e dão uma vida à narrativa que parece estarmos a viver o que ele viveu, as suas alegrias e tristezas vistas na primeira pessoa. Vale mesmo a pena ler este livro para conhecer o mundo de ontem e, sobretudo, ver e comparar com o presente para compreender melhor o mundo de hoje e as ameaças que nos estão a cercar. Muito, muito bom mesmo.
quero muito ler. beijos, pedrita
ResponderEliminarVale bem a pena... fala pouco do Brasil e esse pouco era cheio de esperança
ResponderEliminarÉ de facto um livro extraordinário e o Carlos faz aqui uma síntese exemplar.
ResponderEliminarZweig é um dos meus escritores de eleição e sempre lamentei ele ter decidido suicidar-se daquela maneira...
Um livro indispensável, penso eu.
Boa noite!
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Gosto muito das novelas deles, tão sintéticas e tão intensas... mas estas memórias superam pelo valor que têm.
ResponderEliminarEu ainda não terminei a releitura. Mas sou fascinada por esse autor e pela forma como ele escreve.
ResponderEliminarConsegui comprar um exemplar da peça dele "Jeremias", o que me deixou muito feliz.
Abs.
Por cá nunca vi disponível as peças de teatro de Zweig, mas adorei esta obra.
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