Citação
"nem mesmo os assassinos eram sempre assassinos, não o eram a todas as horas do dia e da noite, havia a hora de descanso do assassino, como havia o período de descanso dos ferroviários;"
Li "Bilhar às nove e meia" do alemão Heinrich Böll, prémio Nobel da literatura de 1972, um romance que mostra o sofrimento de alemães do início do século XX até 1958. Cidadãos pacifistas ou não subservientes ao regime ditatorial e vítimas de duas guerras, bem como as feridas psicológicas que ficaram após o termo da última.
A ação decorre ao longo do dia 6 de setembro de 1958, mas com recordações narradas desde 1907 em torno dos membros de três gerações de Fähmel: Heinrich, Robert e Joseph; pai, filho e neto, todos arquitetos e com papel ativo na abadia de Santo António perto de Colónia; as mulheres dos dois primeiros, a namorada do último e sua irmã, a que se juntam amigos e inimigos nas questões de regime e das guerras, tendo Heinrich perdido 6 dos seus sete filhos neste meio século.
Tudo começa por uma transgressão da secretária de Robert, instruída para só o interromper entre as 9 e meia e as 11h se os envolvidos fossem o pai, a mãe, o filho, a filha ou o sr. Schrella que ela desconhece. O patrão repreende-a e Heinrich acalma-a e convida-a para o seu aniversário naquele dia. Descobre-se que às 9 e meia Robert se fecha num hotel para jogar bilhar, uma fuga para recuperar dos traumas do passado. Aos poucos entramos nas memórias de cada um e vai-se tomando conhecimento da difícil história dos Fähmel, iniciada na juventude do provinciano Heinrich após a vitória no concurso, perante consagrados arquitetos, para a construção de uma abadia, o que lhe permitiu riqueza e casamento na cidade com a filha de Kilb.
Três gerações de pessoas onde uns adotaram o caminho da paz: os filhos do cordeiro; e outros optaram pelo oposto e comeram: o sacramento do búfalo que perseguiram os primeiros e mataram. A história decorre em 1959 à sombra da torre de São Seferino o passado é marcado pela construção, destruição e reconstrução da abadia sempre com a intervenção dos arquitetos Fähmel e só para a festa de aniversário no fim de 6 de setembro o Sr. Schrella se encontra com Robert.
A escrita por vezes é rica de diálogos e essas páginas são muito fáceis, mas as narrativas do passado são constituídas por parágrafos muito extensos com conteúdo de difícil apreensão e cheios de simbolismos e referências cristãs, onde as memórias que fluem e se intercalam para completar o passado como peças de um puzzle que se vai montando. Cada capítulo centra-se numa personagem e suas memórias face ao presente; já depois da guerra, da ditadura e dos lobos vestirem pele de cordeiros e manterem-se no poder com dolorosos efeitos nas vítimas.
Sem dúvida um romance muito denso, rico de conteúdo e com páginas difíceis que despertam interesse em descobrir o que escondem das feridas e atos loucos. Gostei de ler, recomendo a quem gosta de textos que dão alguma luta enquanto oferecem reflexões sobre as questões da sobrevivência do bem perante o mal que grassa na sociedade.
eu tinha lido um livro dele, o anjo silencioso e ficado muito impactada. fiquei com vontade de ler esse. sim, eu gosto de livros sobre reflexões. acho sempre a guerra uma loucura absurda pra dizer o mínimo. como diz svetlana, se as mulheres q decidissem ou lutassem por guerras não aconteceriam. talvez. vou procurar. beijos, pedrita
ResponderEliminarhttps://mataharie007.blogspot.com/2010/01/o-anjo-silencioso.html
Tem razão, Carlos, esse livro não é de leitura fácil, mas vale muito a pena ler e reflectir sobre ele.
ResponderEliminarHouve uma altura em que resolvi ler pelo menos um livro de cada um dos autores nobilizados: missão impossível, claro, até porque muitos autores do início do Nobel nem estão disponíveis. Nessa altura até tive uma saudável competição com o Pedro do Delito (que agora está em pausa pois ele anda a ler exclusivamente romances portugueses).
Boa semana e boas leituras.
🌹
Pedrita
ResponderEliminarPois Anjo silencioso não li.
Maria
Não tenho por meta ler uma obra pelo menos de todos os Nobel, mas tenho procurado alargá-la, pelo menos aos escritores que tenham obras de ficção, ensaio ou biografia.
O Pedro por opção anda apenas em autores nacionais e estrangeiros traduzidos cujo texto não siga o AO, compreendo a preferência mais exclui-o de algumas boas obras que temos no mercado, mais grave se não as ler no original.