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sexta-feira, 8 de março de 2019

"A Guerra das Salamandras" de Karel Capek


Excertos
"Não podemos fruir calmamente dos dons da nossa civilização nem dos frutos da nossa cultura enquanto existirem à nossa volta milhões e milhões de seres infelizes e inferiores, mantidos artificialmente num estado animal."

"Terá de ser sempre a natureza a aparar os golpes dos homens? Estás a ver? Nem tu próprio acreditas que eles vão ajudar-se a si próprios! Estás a ver? No fundo gostarias de te fiar que a humanidade vai ser salva por alguém ou alguma coisa!"

Acabei de ler "A Guerra das Salamandras" do checo Karel Capek, uma alegoria e uma sátira divertida e também uma denúncia distópica sobre a via suicida da civilização gananciosa que leva a humanidade à escravidão e à autodestruição. Publicado em plena ascensão do nazismo, este regime é criticado subtil, inteligente e metaforicamente, tal como a estratégia desastrosa e interesseira dos restantes Países Europeus para enfrentar aquela perigosa ideologia. Contudo este romance não perdeu qualquer atualidade e pode-se ver nele as denúncias dos erros do neoliberalismo, os perigos da hipocrisia em democracia e ainda a ameaça de catástrofe ecológica provocada pelo Homem e sua tecnologia no presente. O livro poderia ter sido escrito tal e qual hoje como denúncia dos vícios da globalização no presente.
Toda a estória é alegórica: O comandante Van Toch, um checo da marinha mercante ao serviço da Holanda numa ilha da Indonésia, descobre uma espécie de salamandra desconhecida, consegue relacionar-se com elas e verifica que as mesmas são ótimas caçadoras de pérolas em troca de utensílios, pois têm vocação de construção de estruturas subaquáticas e espírito comercial e social. Van Toch desenvolve então um projeto com o apoio de um capitalista judeu colega de escola para criar um império comercial usando como mão de obra estes animais povoando numerosos recantos do Índico com estes animais. Aos poucos o segredo torna-se público e alvo do interesse de todas os Países que querem adquirir salamandras como mão de obra escrava barata para o meio marinho, dada as suas capacidade laborais e de engenharia, só que estas desenvolvem a capacidade de falar e de aprender a cultura dos homens. A mudança e crescimento da economia global torna-se então gigante e dependente desta espécie que debaixo de água desenvolve secretamente a sua própria nação até se revoltar contra a exploração dos humanos e declarar-lhes guerra para os dominar.
Não é possível classificar o estilo literário de Capek nesta obra, onde há um desfile de escrita criativa: temos textos com estilo escorreito e quase vitoriano; partes que correspondem a excertos de peças jornalísticas, incluindo parangonas de arte gráfica numa linguagem bem distinta; atas de empresas com as suas especificidades; artigos científicos, sobretudo biologia e geologia; capítulos que são puro ensaio filosófico sobre o rumo da humanidade e baseados no comportamento das duas espécies cujo confronto se adivinha; análises sociológicas e sátiras ao modo de ser dos vários povos que não apenas europeus(o português nem é esquecido); etc. construindo assim uma panóplia de géneros e formas com uma imaginação fértil enorme.
Apesar da denúncia do destino sombrio do rumo da humanidade e momentos catastróficos, o bom humor e a ironia atravessam toda a obra, inclusive a intervenção do autor perante conveniência de alcançar um fim digno para o Homem no livro ou não fosse este o verdadeiro protagonista da estória e alvo do alerta e aviso de Karel Capek.
Uma obra genial ao nível de "O admirável mundo novo", "1984" e outras distopias marcantes da história da literatura, mas com a particularidade de não ser deprimente mas sim divertida. Uma obra-prima.
Como curiosidade, outra obra deste autor criou a palavra hoje usada internacionalmente de "robot" e diz-se que não recebeu o prémio Nobel da literatura para não irritar Adolfo Hitler.

5 comentários:

  1. nunca li nada desse autor. anotadíssimo. beijos, pedrita

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  2. Também foi estreia absoluta nele, penso que não teve muitos livros, mas todos fortes, existe uma outra obra prima: "RUR", é teatro e onde ele cria a palavra que na nossa língua é robô, em Portugal não a encontro, mas sei que já foi editada no Brasil.

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  3. Folgo em ver que o Carlos apreciou esta minha recomendação!

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  4. e pelo conteúdo do post vê-se que apreciei mesmo muito.

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