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sexta-feira, 22 de dezembro de 2017

Lincoln no Bardo de George Saunders


Sabia que o vencedor do Booker Prize 2017 seria um livro diferente de todos os que já lera e foi a curiosidade que me levou a arriscar a ler "Lincoln no Bardo" de George Saunders, norteamericano, e neste aspeto, após a leitura, assumo a originalidade da estória e da escrita do romance que em nada se assemelha a nenhum outro. Assim, não admira que no início tenha estranhado, mas ao contrário do que por vezes acontece ao continuar a ler, aqui não "entranhei".
A estória arranca com a morte de Willliam (personagem histórica) filho do Presidente Lincoln após este, perante a enfermidade da criança, manter o baile na casa branca por o considerar importante para animar a comunidade da cidade, tensa com a guerra civil que os Estados Unidos então atravessam. Segue-se o funeral e a receção da criança na comunidade dos que já abandonaram esta vida mas resistem em permanecer no cemitério, onde vamos conhecendo o que os mais marcou individualmente enquanto estiveram na terra. Atordoado, William não reconhece a situação em que está, é visitado pelo pai durante a noite, depois há uma luta dos anjos do mal para conquistar os resistentes e o recém-chegado, este não cede ancorado na promessa da volta do Presidente. Assiste-se assim a s estratégias de solidariedade das almas, enquanto vamos descobrindo todos os seus vícios e defeitos privados do passado de que ainda não se libertaram. Assim, durante uma noite, vê-se o esforço coletivo para fazer o bem a alguém recém-chegado por parte de gente que se sabe estar condenada pelo que antes fizera, nalguns casos condutas bastante chocantes, tentando inclusive agir sobre o visitante vivo de forma metafísica.
Passando agora à escrita, novamente se entra numa texto diferente de tudo o que já li, o período respeitante à vida dos Lincoln desde a doença, baile, morte de William e sentimentos do Pai são narradas como uma coletânea de testemunhos, por norma de um parágrafo, cujos autores são referenciados ou como excertos de notícias ou livros de memórias novamente com a origem identificada (mesmo que fictícia), enquanto no além temos como que um texto dramático onde os atores vão referindo as suas partes e construindo uma peça que se assemelha a uma representação macabra cujos intervenientes têm de se recolher ao seu sarcófago com o nascer do sol e  onde cada personagem ou testemunho tem características sintáticas, lexicais e níveis da pessoa em si, o que dá uma mistura de estilos e formas de expressão variada, desde o formal até ao brejeiro, afinal na sociedade tudo isso coexiste como no livro e apesar de mais de 300 páginas a leitura é rápida pelo espaço livre entre textos para teatro.  O livro intercala por vezes capítulos referentes ao período em casa dos Lincoln com outros passados no sobrenatural, montando-se assim o conjunto da obra.
Técnica e imaginação não faltam no romance, se gostei? A minha resposta é não!
Há pontos incoerentes, o autor quis mostrar a ligação de cada um aos seus vícios e hábitos que nem no além se conseguem libertar, não sei se quis condenar indiretamente alguns comportamentos que hoje são aceites ao contrário do passado, além de mostrar a dor íntima de um pai que luta com o dever público e a discrição privada, mas que a obra dá lugar a muitas questões, lá isso permite, como exercício de escrita é uma jóia e talvez seja isso que justifica tão importante prémio.

5 comentários:

  1. Quando li "Dez de Dezembro" fiquei entusiasmada.
    Todavia, ao continuar a ler os contos fiquei desiludida. Muito prometiam e não chegou a ser o que achei.
    Deixei este de lado.

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  2. Pois eu não deixei este lado, tive sempre curiosidade em como amarraria as pontas, só que muitas delas ficam abertas e alguns aspetos nem sei porque os abriu, agora como ensaio de escrita, é de facto um grande trabalho.

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  3. não conhecia, pelo jeito não perdi muita coisa. beijos, pedrita

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  4. Pelo menos não tem a minha recomendação por gosto... pode haver opiniões bem diferentes, o júri do booker prize este ano parece ter gostado muito.

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  5. Carlos, o meu comentário nada tem a ver com o post.

    Quero apenas dizer que a editora do Pico - Companhia das Letras - tem um catálogo impressionante. Fantástico como uma editora com apenas 2 pessoas faz um óptimo trabalho. Infelizmente, raramente falada. Esperemos que mude assim que começarem a publicação das obras de Nemésio.

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