O romance "As Naus", de António Lobo-Antunes, publicado em 1988 e agora reeditado na coleção Livros RTP, cruzou-se casualmente comigo numa papelaria quando estava lá por outros motivos e então despertou-me a curiosidade o modo como este original escritor lusitano trataria o cruzamento do tema das descobertas com o dos retornados após a independência das colónias portuguesas na sequência da revolução de Abril.
Num romance pouco extenso, com a escrita típica de António Lobo-Antunes, onde se intercalam tempos diferentes, mudanças de sujeito e de espaço ao longo de longos parágrafos, o autor desfila um conjunto de personagens que no passado foram os heróis, escritores ou figuras das crónicas do período das descobertas e da expansão cultural portuguesa, nomeadamente Luís de Camões, Pedro Álvares Cabral, Diogo Cão, São Francisco Xavier e Manuel de Sousa Sepúlveda, reis de Portugal,entre outros, sem esquecer a sombra marcante de D. Sebastião e o seu mito, descrevendo muitas das dificuldades, loucuras e glórias daquela época áurea que viveram, mas que mais tarde os mesmos se tornaram colonos em Goa, Moçambique, Angola e Guiné, com todos os vícios de que são muitas vezes acusados e ainda alvo dos ódios e das bajulações dos povos indígenas e que por fim ainda passam para o papel de retornados a Portugal, expulsos dos locais onde criaram raízes, sendo mal-aceites na pátria de origem com uma organização de acolhimento viciada pela embriaguez dos conceitos de liberdade e socialismo onde neste ambiente se adaptando aos mais variados géneros de personalidades e papéis: desde o que se transforma em oportunista, às vítimas de espoliações, aos que entram no mundo negro da prostituição e dos proxenetas, aos desadaptados e às perdas de identidade onde tudo isto se vai cruzando de forma absurda ao longo da obra.
Apesar das numerosas denúncias contidas na obra, que ora se subentendem, ora são ditas de forma dura, nua e mesmo cruel, por vezes misturadas com alguns preconceitos de mentalidade da nossa sociedade, o livro consegue criar um tom irónico e divertido no seio das desgraças expostas, mas não se furta a mostrar a necessidade de os portugueses em todas estas épocas precisarem de um D. Sebastião para manter a esperança e viabilizar a sobrevivência deste Povo... apesar deste salvador sempre na sombra que no fundo dos lusitanos nunca morreu ele nunca aparece, apenas nos levou a uma derrota marcante.
Gostei do livro, mas reconheço que estou habituado à escrita de António Lobo Antunes e para quem não a entranhar este romance torna-se difícil, se não mesmo incompreensível.
eu estou com um livro dele aqui a ler. mas não é esse. beijos, pedrita
ResponderEliminarTem alguns bem mais difíceis, mas mesmo assim interessantes, embora um pouco menos alegres que este consegue ser no meio das desgraças
ResponderEliminarEu gosto muito da obra de António Lobo Antunes, crónicas incluídas.
ResponderEliminarCuriosamente, não sei de muita gente da minha idade que o leia ou que aprecie a sua escrita. Mas existem, felizmente.
Ainda bem que existem Marta, é sinal que têm uma boa capacidade de leitura, pois ler apenas o que é fácil é nivelar-se por baixo.
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