Mergulhei no romance "Grande Sertão: Veredas" de João Guimarães Rosa logo no dia em que o adquiri numa publicação fac-similada da primeira edição no Brasil de 1956 e efetuada pela
loja do jornal Público na coleção "800 anos de literaturas em Português". Este interesse na obra, há muito tempo esgotada em Portugal, resultava do facto desta estar qualificada como um dos trabalhos de ficção mais importantes escritos em Português e, inclusive, uma das obras de literatura mundial mais significativas de todo o século XX.
Em primeiro lugar saliento que gostei muito da trama: as memórias de Riobaldo narradas a Quelemén sobre o tempo em que fora jagunço e chegara a liderar um grupo na caça de um assassino de um chefe seu exemplar. Uma época em que se apaixonou por Diadorim, uma personagem travestida de soldado, em que sentia o dilema da paixão face os complexos de masculinidade e assumia o seu amor consentido pela distante e bela Otacília, período que lhe levantou questões sobre o bem, o mal, o Diabo a realização ou não de um pacto com este e até a dúvida sobre a existência deste ou não.
O romance não é uma estória linear: algumas das dúvidas sobre o bem, o mal e o demónio no protagonistas são lançadas ao ouvinte da narração, colocadas à reflexão por Riobaldo no texto que, em paralelo, também expõe os seus problemas morais e sentimentais e obriga-se a viajar no tempo para justificar determinados momentos da sua saga contra o inimigo e, em paralelo, descreve de uma forma poética a paisagem do sertão, as suas veredas, os seus rios e as suas gentes.
Guimarães Rosa utilizou no romance o modo de expressar sertanejo: vocábulos e sintaxe alterados pela linguagem popular, neologismos do escritor, regionalismos e ainda apresenta as espécies da fauna e flora da zona de Goiás, Minas Gerais e Baía como elementos simbólicos do carater das personagens, o que torna o texto num rendilhado complexo que obriga a uma atenção intensa para quem não domina nenhum destes campos como eu e não estava prevenido para este estilo. Gostei do romance, embora por vezes tenha sido esgotante chegar à compreensão do conteúdo escrito e sei que nem tudo foi apreendido. Um livro que recomendo a quem além da magnífica estória, está disposto ao esforço de atenção e descoberta do que se esconde por detrás deste difícil texto.