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sábado, 22 de fevereiro de 2025

"Um punhado de centeio" de Agatha Christie

 

Acabei de ler mais um romance policial da escritora inglesa Agatha Christie "Um punhado de centeio" da série Miss Marple.

No escritório da sua empresa Rex Fortescue, depois de beber um chá servido pela sua voluptuosa secretária, tem um ataque súbito, é levado para o hospital e morre, descobrindo-se em seguida que fora envenenado por um tóxico que deveria ter sido ingerido ao pequeno almoço, tendo ainda sido encontrado um bolso do casaco cheio de centeio. Na investigação sobre a refeição caseira ao inspetor Neele todos em casa lhe parecem ter tido oportunidade para o ato e vários a beneficiar do caso, mas porquê aquele cereal? No chá da tarde toda a família reúne-se mais um filho que, entretanto, chega de África, mas pouco depois a atual mulher de Rex surge morta por envenenamento, eliminando a principal beneficiária e, mais tarde, uma antiga criada é encontrada morta no quintal com uma mola de roupa no nariz e o caso fica cada vez mais confuso. Entretanto, Miss Marple lê sobre as mortes nos jornais e descobre que a criada era uma sua antiga empregada e decide dar um apoio. Diz a Neele que os crimes parecem ligados pela rima de uma canção infantil antiga e, aos poucos, com a sua simpatia vai recolhendo informação dentro desta casa, onde todos parecem antipáticos e suspeitos, mas não se coíbe de dar as suas teorias ao inspetor, até à descoberta a verdade surpreendente.

Como é típico nas obras desta escritora, a narrativa dá várias reviravoltas e os suspeitos vão rodando, assistimos a cenas não ausência do inspetor e de Miss Marple que nos vão lançando pistas e falsas pistas e, como é habitual para esta série, as conclusões são sempre rebuscadas e mais fundadas na psicologia do que na dedução de factos evidentes. É sempre um prazer um policial de Agatha Christie

sábado, 15 de fevereiro de 2025

"O ASSASSINO CEGO" de Margaret Atwood

 

Reli o romance "O Assassino Cego", vencedor do Booker Prize de 2000, da minha escritora canadiana favorita: Margaret Atwood, embora a primeira leitura, há já quase duas décadas, tenha sido no original em inglês, livro que possuo ainda e permitiu-me algumas comparações entre as duas versões, concluído que este é uma boa tradução para  português.

O romance inicia-se com a recordação da octogenária Iris Chase do acidente de carro de sua irmã Laura poucos dias após o termo da II Grande Guerra Mundial, estando Iris consciente que se tratou então de um suicídio. A partir desta memória com uma fotografia na mão, ela reconstitui a história da sua família e da sua vida: a vida na sua cidade natal no sudoeste de Ontário, os seus antepassados, a relação com o seu pai veterano da primeira guerra e industrial decadente, as razões do seu casamento e os litígios com a família do marido cheio de ambições políticas, a retirada da sua filha, o com foco no facto de, na sequência da morte de Laura, Iris ter publicado um livro que aquela teria deixado manuscrito, onde narra uma relação secreta de amantes com encontros em locais escondidos e que se supõe ser ela com um amigo comum de ambas as irmãs. Na intimidade os dois montavam uma história de ficção científica numa sociedade distópica, passada no planeta Zycron, onde um cego vem a ser incumbido de matar o rei de uma cidade-estado, enquanto em paralelo se preparava uma invasão externa por um povo bárbaro. Em paralelo esta narrativa será uma descoberta do amor pelo assassino e o romance tornou-se num grande sucesso, sinal de emancipação feminina e Laura um símbolo para futuras gerações de mulheres, enquanto Laura se se deixou de fora deste fenómeno literário e libertário.

Um romance que é uma matrioska russa de histórias, onde - sobre um cenário que é a história socioeconómica do Canadá, o modo de viver de uma pequena cidade do Ontário e o evoluir das mentalidades ao longo do século XX neste país - se projeta a vida de uma mulher da classe média alta provinciana com os seus temores e sujeita aos preconceitos do mundo que a rodeava, que por sua vez são transpostos para a vida da sua irmã e em seguida refletidos num romance que seria o alter ego desta, onde o amor é gozado plenamente e os anseios da juventude e os seus medos são remetidos para um planeta distante que permite por a nu os tabus terrenos que aprisionam as paixões e os vícios que molda a sociedade. Todos estes níveis contados de forma intercalada levam a que até desenrolar da última camada desta boneca russa surjam sempre surpresas e reconstruções do passado.

É uma obra com uma escrita sem pressa, tal como pode ser a monotonia da vida de uma octogenária, que não se inibe de ser crítica de todos os preconceitos e amarras da hipocrisia da moralidade social que foram caindo ao longo do século XX, para assim evidenciar que no final daquele século muito sofrimento íntimo das mulheres do passado poderiam ter sido evitados e como a sociedade facilmente cai num engano e cria mitos e heróis apenas pela aparência das narrativas.

Quando li pela primeira vez O Assassino Cego considerei uma obra que mostrava a versatilidade narrativa de Margaret Atwood, hoje, ao relê-la, já depois de ler muitas outras obras da autora, considero a sua obra literariamente mais rica e variegada. Exige alguma maturidade ao leitor para assimilar a riqueza deste romance, este não se prende a estereótipos, nem a subterfúgios fáceis para o agarrar. É uma narrativa para se ir degustando lentamente as suas mais de 600 páginas até se saborear de facto a grandiosidade deste romance que justifica ter um prémio do gabarito do que recebeu, uma obra que não precisa de receber um Nobel da literatura para estar a esse nível.