impressões de um geólogo amante de livros e música erudita que vive numa ilha vulcânica bela e cosmopolita
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quinta-feira, 18 de agosto de 2022
"Maigret e os crimes de Montmartre" de Georges Simenon
terça-feira, 9 de agosto de 2022
Vercoquin e Plâncton de Boris Vian
Acabo de ler o primeiro romance do escritor francês Boris Vian, escrito no final da primeira metade do século XX e sua obra de estreia neste género literário: "Vercoquin e Plâncton".
O livro pode ser dividido apenas em 3 partes, apesar de o estar em 4. Na primeira, Major organiza uma festa surpresa em sua casa e jardins onde conhece Zizanie e se apaixona. Ficamos a conhecer numa linguagem mordaz e surrealista o ambiente eufórico e libertino destas festas com muito álcool e liberdade sexual a romper com todos os costumes e restrições ocorridas durante a guerra em Paris. Na segunda parte, o Major através do seu "Mordomo" tenta pedir a mão de Zizanie ao seu tutor que trabalha numa empresa de criação de burocracia e ficamos a conhecer as peripécias absurdas para o alcançar o noivado, bem como o efeito bola-de-neve e voraz da burocracia e dos funcionários que tentam fugir às suas obrigações. Na última entramos novamente numa festa para o noivado do Major e onde se vão cruzar todas as loucuras e surrealismo de uma forma avassaladora .
Estamos perante uma paródia surrealista e cómica sobre a loucura, os excessos de diversão e os liberalismos dos costumes em que entrou a juventude que se seguiram aos tempos de contenção da segunda grande guerra, terminada poucos anos antes deste romance ser publicado, bem como, uma crítica sarcástica dos exageros e inutilidade de muitos serviços e procedimentos burocráticos impostos pelos sistemas administrativos e a forma como os funcionários e dirigentes contornam os controlos laborais.
Um escritor que se tornou de culto em meados do século XX pela sua originalidade, com diálogos estranhos e situações que retratam a sociedade de uma forma única.
segunda-feira, 1 de agosto de 2022
"Para onde vão os guarda-chuvas" de Afonso Cruz
Excerto
"Andamos todos em órbita a nós mesmos à procura de uma porta que nos leve para dentro da nossa alma. Procuramos entrar dentro de nós, mas é um mundo que nos está vedado."
Acabei de ler o romance "Para onde vão os guarda-chuvas" do português contemporâneo Afonso Cruz. No início sabemos que o Sr. Elahi, empresário muçulmano num país do oriente, adotou uma criança cristã e tenta convencer a sua irmã a casar-se com um hindu, no que esta grita: vergonha!, por todos estes desvios à tradição secular da família. Então percebemos que a situação resultou de graves problemas trágicos do passado que afetaram a vida do fabricante de tapetes. Assim, através de episódios, curtos, que cobrem a infância dos atuais membros da família, vamos conhecer todas as desventuras e fenómenos fantásticos por que passaram, vivências a coberto das crenças e dos mitos religiosos que condicionam as suas vidas que se cruzam com saberes do islamismo, hinduísmo e cristianismo radicado na filosofia mítica oriental. Afinal, tal como as pessoas que perdemos, os guarda-chuvas perdidos nunca mais aparecem, logicamente devem ter um destino semelhante...
Afonso Cruz tem uma narrativa muito própria e cheia de metáforas que mistura a sabedoria mítica e transcendente oriental com a racionalidade fria e laica do ocidente contemporâneo, uma teia de conceitos que nos surpreende e ao juntar a perspetivas infantil com a contemplativa dos crentes e maldosa dos oportunistas, numa delícia de situações e deduções que vão do fantástico ao racional, uma crítica de comportamentos sociais transversais a todos os povos e personalidades sem agressão dos alvos preconceituosos, nem glorificação das vítimas inocentes e ingénuas movidas pelos seus sonhos de serem felizes.
Cheio de citações de sabedoria (não sei se inventadas de facto pelo autor ou baseadas em textos orientais, mas esta mistura dúbia entre o real e o ficcionado é uma característica comum de Afonso Cruz, um dos escritores mais originais da literatura portuguesa atual de que já li várias obras). Gostei e recomendo.