"Sombras queimadas" de Kamila Shamsie acompanha a vida das pessoas em torno de uma japonesa sobrevivente do segundo ataque nuclear ao Japão em Nagasaki poucos momentos depois do seu pedido de casamento por um alemão ali desterrado.
A partir da explosão Hiroko fica para sempre marcada com as sombras das aves do quimono que experimentava quando daquela luz intensa, sombras que sente na alma em Deli para onde foi à procura dos familiares ingleses do seu noivo vítima da bomba, onde se dá a independência da Índia e a partilha do país que a empurra para o Paquistão onde viu os reflexos dos movimentos da guerra fria no Afeganistão nascerem, crescerem e as mudanças de atitude com o tempo de um ocidente aliado virar a inimigo e onde a loucura lhe trouxe novas perdas e novas sombras. Sombras que renascem em 2001 quando acolhida em Nova Iorque pelos primeiros que a receberam assistem ao 11 de setembro, que desencadeia novas ondas de loucura e mais perdas ligadas ao Afeganistão e se viu o medo semeado nos outros e só então Hiroko compreendeu porque foi aplaudido o lançamento da segunda bomba no seu País, quando na realidade os EUA já tinham tudo para vencer a guerra sem necessidade de tal dano.
O romance não acusa ninguém diretamente, mostra sim um conjunto de sombras deixadas em vítimas das muitas loucuras, tensões e incompreensões que têm dominado o mundo desde aquele longínquo 9 de agosto de 1945 em Nagasaqui, uma história de gente que conviveu com culturas e religiões bem distintas e mesmo assim foram capazes de amar, sofrer, proteger-se e ferir-se entre si.
Apesar dos reais acontecimentos bélicos associados à violência como pano de fundo, Sombras queimadas é um romance que junta uma escrita elegante e suave, à paz e ternura emanada da protagonista que enche assim toda a obra de um sentimento calmo e nostágico de uma saga com duas famílias que se protegem e se destroem mutuamente ao longo de 60 anos, que sofrem mais do que compreendem o que se passa em cada momento. Uma magnífica obra que recomendo.