O romance "Anna Karénina" é muito mais que a mera narração da paixão avassaladora desta exemplar senhora de sociedade por Vronski e do seu adultério assumido: cuja relação egoísta evolui para a desilusão, rejeição social e acaba em tragédia; pois é também o relato paralelo da história contrastante do amor de início inseguro de Kontantin Levin por Kitty, que pelo altruismo prossegue num crescendo para a felicidade integração social e serve a Tolstoi de contrapeso moral.
Entre estes dois casos de igual importância no romance, há um conjunto de personagens, alguns constituindo casais, que unem os protagonistas e servem para: denunciar a hipocrisia da vida em sociedade; a desigualdade de tratamento na infidelidade do homem e da mulher na nobreza; as virtudes da maternidade num casamento; o possível aproveitamento dos valores cristãos para o desrespeito humano; a futilidade da vida urbana face à utilidade da atividade rural; os vícios de domínio das classes sociais mais poderosas face às dificuldades do povo; as questões filosóficas da existência de Deus, da crença contra a razão e dos valores éticos e morais e discute-se ainda as potencialidades e condicionantes do desenvolvimento económico e cultural da Rússia em comparação com as outras potências da Europa. O livro é um tratado profundo de muitos problemas e desonestidades que minam as relações humanas e um louvor ao amor altruísta e um crítica à paixão egoísta. Um grande romance que é uma obra-prima e muito maior que uma mera estória romântica.
Nesta edição há posfácio de Nabokov, este reabre o dilema de qual é o maior escritor: Tolstoi ou Dostoiévski; este russo não tem dúvida em colocar o autor de Anna Karénina por cima, eu pessoalmente, além de outros aspetos em que discordo do que ele escreve, mantenho que não consigo decidir quem é de facto o maior de entre estes dois grandes vultos da literatura russa.