impressões de um geólogo amante de livros e música erudita que vive numa ilha vulcânica bela e cosmopolita
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sábado, 15 de novembro de 2025
"Solitária" de Eliane Alves Cruz
terça-feira, 11 de novembro de 2025
"O último Avô" de Afonso Reis Cabral
Há já algum tempo que tinha curiosidade em descobrir os dotes de escrita deste descendente direto de Eça de Queirós, tive interesse nalgumas obras dele mas não cheguei a comprar, talvez por serem obras baseadas em personagens reais e temia serem deprimentes, mas desta vez fiquei desperto mal este romance saiu: "O último avô" de Afonso Reis Cabral.
Augusto Campelo é um escritor idoso reconhecido, mas de grande prepotência em família. Este decide queimar o manuscrito do que talvez fosse a sua obra magistral sobre o seu passado longínquo na guerra de Angola, o seu neto Augusto, seu grande admirador e que lhe segue as pisadas, é chamado, mas pouco depois o avô morre e deixa-o testamenteiro do seu legado. Começa a busca da provável existência de um original escondido em casa, vêm-lhe à memória o que o velho lhe contara sobre África, as recordações sobre sua mãe há muito morta que fugira para se libertar da força do pai que admirara e conhecera as narrativas da guerra. Recorda-se do papel da avó de equilibrar a força do marido, o peso social do sucesso e as tensões familiares . A morte do autor leva a novas pressões do mundo literário, da amante do avô e dos familiares sobre o que estaria no manuscrito e a necessidade de o publicar. Será que África teria assistido a um herói ou um carrasco que destruiria o bom nome que ao neto cabe proteger.
Afonso Reis Cabral não é uma réplica do seu trisavô, aliás a necessidade de alguém ser igual a si próprio e não uma cópia de um génio familiar é magnificamente trabalhada no romance. Escrito e narrado num estilo atual, o autor escreve bem, o romance cativa logo no início, depois entra-se num labirinto de memórias que cruzam três gerações, lugares diferentes e realidades distantes que no fim se entroncam num final surpreendente, cheio de revelações que mostram a distância que pode existir entre a imagem de um génio e a sua personalidade.
Fácil de ler, gostei e recomendo a qualquer tipo de leitor.
sábado, 1 de novembro de 2025
"Sensibilidade e Bom Senso" de Jane Austen
Acabei de ler "Sensibilidade e Bom Senso" da escritora inglesa do início do século XIX Jane Austen, apesar de se situar entre os escritores mais importantes daquele século, esta foi a minha obra de estreia na autora.
Eliane e Marianne são duas irmãs de comportamento distinto, a primeira racional ou sensata e a segunda romântica ou sensível, vivem com os pais, só que por morte do progenitor a casa e o dinheiro passam a pertencer maioritariamente ao meio irmão mais velho como primogénito. Este encontra-se casado com uma mulher ciosa da herança do sogro, o que leva a madrasta e suas filhas a terem de partir para outro condado para uma casa mais em conta e a uma gestão apertada dos rendimentos. Eliane tem uma paixão mal disfarçada pelo cunhado do irmão que também não assume o seu amor por ela, mas ambos mantêm o relacionamento num estado de letargia escondido dos olhos sociais. Marianne conhece Edward por quem se apaixona perdidamente e este também exibe a sua paixão, ambos de forma descuidada, enquanto outro vizinho mais velho nutre um amor por esta de forma discreta. Entre gestão de interesses de riquezas por casamento, traições, confusões e gestão racional ou irracional de paixões, a situação complica-se, sobretudo para Marianne, enquanto Eliane traz o bom-senso e cuida da irmã, mas quando tudo parece perdido a razão mostra-se superior para um inesperado final da obra.
A obra faz um retrato da época e da vida dos estratos sociais médio-alto a alto, em que a racionalismo e o romantismo estão em confronto, quando as mulheres estão fortemente dependentes dos maridos, numa classe onde os casamentos eram frequentemente por interesse e o amor pouco contava na família para este tipo de união.
Uma escrita lúcida, elegante, mais descritiva do que criativa e fortemente temperada pelo ângulo feminino, numa época em que ser mulher e escritora era praticamente impossível e só concretizada por alguém que pela sua qualidade narrativa e tato conseguiu se impor no panorama cultural, pela sua genialidade de retratar tensões de conveniência social, sensibilidade e de moralidade, bem como a arte de sobrevivência em sociedade. Gostei, apesar de ser uma obra datada, centrada no feminino e apenas nos estratos sociais mais altos.


