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terça-feira, 26 de dezembro de 2023

"Trilogia" de Jon Fosse



Acabei de ler o meu primeiro livro do norueguês Jon Fosse, o vencedor do prémio Nobel de 2023. A obra "trilogia" é constituída por três novelas, em que cada uma surgem as mesmas personagens principais, de modo a que o conjunto se completa num romance mais vasto.

Na primeira novela, Alse, tocador de violino, e Alida, empregada doméstica e grávida, ambos pouco mais que adolescentes, saem da terra rural natal para Bjorgvin (Bergen), uma fuga da sua situação mal tolerada pelo conservadorismo da aldeia; na cidade buscam alojamento que não conseguem encontrar, até que chega à hora de nascer Sigvald, em paralelo assistimos ao pensar de cada um sobre como vê o outro. Na segunda, Alse adota o nome de Olav e veio à cidade a partir do local que ocupou para residir e com a ideia de comprar uma aliança para Alida, ela agora com o nome de Aste, mas na viagem encontra um velho que mostra saber de todas as malfeitorias que Alse terá feito na primeira novela, enquanto o chantageia ele consegue comprar uma prenda alternativa para a sua companheira, mas a denúncia levará a um final diferente, igualmente cada membro do casal imagina sobre o outro. Na terceira, Alida já morreu, mas pelos olhos de sua filha, Ale, sabemos que a mãe terá ficado sem o seu primeiro companheiro e juntou-se ao seu pai numa solução para a sua situação de abandono e assistimos ao evoluir desta nova realidade.
Jon Fosse tem, efetivamente, um estilo muito próprio de construir a sua narrativa: uma sucessão de frases muito curtas: ora unidas pela conjunção "e", ora constituindo diálogos sem sinais de interrogação ou de exclamação, mas rematados por disse ele, ela ou outro interlocutor, deixando pontualmente a dúvida de quem de facto o disse, mas que, por adição, vai montando a história de modo semelhante ao pontos que no pontilhismo constroem a imagem impressionista. Surge assim um texto minimalista que parece ritmado e sincopado com abundância de notas de união.
A história é de fácil apreensão, mas os sentimentos parecem ausentes, o que dá um caracter frio e de solidão nas relações humanas, apesar de se sentir a presença do amor, do ódio e do oportunismo na forma como cada personagem fala ou reflete sobre o outro.
Gostei, foi um experiência de leitura de uma narrativa escrita de forma diferente.

quinta-feira, 21 de dezembro de 2023

"Águas Passadas" de João Tordo

 

Citações

"A única coisa necessária para que o mal prospere é que os homens bons não façam nada."

"As pessoas que gostam de ler não são felizes nas suas vidas."

Um corpo de uma jovem arroja numa praia com sinais de violência post-mortem semelhantes ao de um crime cometido 30 anos antes, um segundo cadáver violentado como outro caso na mesma época passada, uma sub-comissária atada pelas dificuldades na esquadra e problemas da vida pessoal, um eremita que testemunhou os casos arquivados e o arrojamento que decide apoiar a mulher-polícia e um grupo de luso-ingleses influentes e poderosos que surgem por detrás de tudo isto. Ficam reunidas as condições para uma investigação inicialmente a ritmo lento e com grande tensão psicológica num período de permanentes chuvas sobre a região de Lisboa, um caso que evolui para um final violento e acelerado onde se desvenda o presente e aquilo que politicamente fora abafado no passado.

Este é o terceiro romance de João Tordo que leio e mostrou-se-me um escritor eclético que vai de dramas com análise social a obras policiais, mas onde sempre estão presentes tensões psicológicas nos protagonistas que se articulam com a trama. Em "Águas Passadas" tal como em "Ensina-me a voar sobre os telhados" o peso dos mortos sobre os vivos existe, bem como a ajuda coletiva para ultrapassar as questões individuais.

Este policial, lembra-me o estilo dos policiais de Leonardo Padura, a violência dos policiais nórdicos e ainda mostra o frequente descontentamento dos portugueses com as suas instituições e sociedade, numa simbiose e num tom característico do escritor.

Gostei, é de fácil leitura e com pontes para obras-primas da literatura mundial, como este romance de Tolstoi,