"A Peste" de Albert Camus, prémio Nobel de 1957, fica entre os livros mais marcantes que li. Não só por ser um magnífico romance ao abordar a questão do Homem em sociedade face a desafios extremos, estar muito bem escrito, mas também, por desenvolver um tema que me é caro: a catástrofe pública e o exílio duma comunidade; que me recordam a situação de ter sido sinistrado de um sismo, responsável e residente de campos de acolhimento de desalojados.
"A Peste" narra o viver da cidade, Orão, Argélia, até o aparecimento da epidemia infetocontagiosa, o longo período de quarentena da sua população e os comportamentos no desaparecimento da doença, vistos pelos olhos de um médico que lutou e enfrentou o problema, em combinação com as memórias das pessoas que com ele trabalharam na crise.
Desde o surgir da doença no livro que me vieram os paralelismos com "Ensaio sobre a cegueira" de Saramago, que li antes do sismo na minha comunidade. Neste predomina a ação entre quem ficou doente e segregado da sociedade. Camus destaca as relações humanas em quem procura proteger a comunidade da peste. Nos dois há um exílio do resto do mundo, só que agora é duplicado: da equipa face aos doentes e dos ainda saudáveis com o mundo exterior.
Interessante as mudanças de comportamentos em consequência da situação: o casal que vivia uma relação distante que separados pela quarentena preferem se juntar, o Padre que aproveita a doença para pregar o arrependimento mas cujo sofrimento maior de uma criança inocente altera a sua visão, o que tenta furar o cerco para ir ter com a sua paixão e se converte a dedicar ao combate, o que definha com a esperança do fim da luta à doença. A moral, a ética e a crença são assim abordadas em moldes filosóficos não cansativos.
Ficou-me a certeza que, pela duração, uma epidemia, tal como uma longa guerra são bem mais desgastantes que uma catástrofe momentânea que passa, mas ambas deixam feridas e mudam a pessoa humana para sempre à custa da dor que deixam. Excelente romance.